Especialistas pedem diálogo e menos ideologia para enfrentar tarifaço dos EUA
A medida, atribuída ao presidente Donald Trump, gerou apreensão no mercado, questionamentos sobre a condução da política externa brasileira e discussões sobre os impactos econômicos e diplomáticos que o chamado “tarifaço” pode causar ao país.
A recente tensão comercial entre Brasil e Estados Unidos, desencadeada pelo anúncio de tarifas sobre produtos brasileiros provocou um debate entre economistas, comentaristas políticos e representantes do setor empresarial. A medida, atribuída ao presidente Donald Trump, gerou apreensão no mercado, questionamentos sobre a condução da política externa brasileira e discussões sobre os impactos econômicos e diplomáticos que o chamado “tarifaço” pode causar ao país.
O debate, promovido pelo programa De Olho na Cidade da Rádio Sociedade News FM, contou com a participação de especialistas como os economistas Gesner Brehmer, Amarildo Gomes, o comentarista político Humberto Cedraz, além do presidente do Sindicato do Comércio de Feira de Santana (Sicomércio), Marco Silva. A mediação ficou por conta do jornalista Jorge Biancchi.
O economista Gesner Brehmer foi direto ao sugerir que o Brasil adote uma postura mais pragmática diante da crise.
“As medidas que o governo vem tomando são importantes, como a política de reciprocidade nas tarifas. Mas é um jogo de perde-perde. A hora agora é de colocar os adultos na sala, com maturidade institucional tanto do Itamaraty quanto da diplomacia americana”, avaliou.
Segundo ele, a carta enviada pelo governo brasileiro à embaixada dos Estados Unidos foi um primeiro passo.
“É fundamental abrir uma linha de diálogo e, além disso, buscar diversificar nossos parceiros comerciais. Temos a China, Rússia, Argentina, Espanha, Países Baixos. Precisamos intensificar essas rotas.”
O economista Amarildo Gomes ressaltou que, apesar de o impacto total no PIB ser limitado, alguns setores estratégicos serão fortemente atingidos.
“As exportações brasileiras para os Estados Unidos representam apenas 2% do PIB. Mas o agro vai sofrer. Laranja, carne e café estão entre os produtos mais atingidos e o tempo é nosso maior inimigo agora.”
Ele criticou a demora do governo brasileiro em negociar mais prazo com os EUA. “Empresários pediram isso ao vice-presidente Alckmin. Era necessário. Se essas tarifas entrarem em vigor já em 1º de agosto, podemos ter mais de 100 mil empregos perdidos, diretos e indiretos. Não é só o emprego. O empresário está endividado, com produção parada.”
Amarildo também criticou o uso político do momento: “Isso não é hora para ideologia. É hora de diplomacia, de negociação técnica. A família Bolsonaro, ao invés de ajudar, inflamou ainda mais o problema. Pedir sanção contra o Brasil não é patriotismo.”
Para Gesner, o sentimento popular diante do cenário econômico pode se tornar um fator político relevante.
“Pela primeira vez na série histórica da Genial/Quaest, mais brasileiros acreditam que a economia vai piorar nos próximos 12 meses do que melhorar”, disse, citando que 43% têm perspectiva negativa, contra 35% otimistas.
Ele relembrou uma frase icônica da campanha de Bill Clinton em 1992: “É a economia, estúpido”. Segundo Gesner, essa lógica ainda guia eleições. “O que define uma eleição, muitas vezes, é o bolso do cidadão.”
Apesar disso, ele alertou que ainda não se pode afirmar que o Brasil enfrentará uma recessão. “Ainda estamos tentando entender se será uma tempestade ou apenas um chuvisco. Mas a responsabilidade fiscal preocupa. A crise pode vir no final do ano ou no início de 2026.”
Amarildo criticou a atuação diplomática brasileira e propôs uma alternativa. “É preciso baixar a bola. Mandar carta não resolve. O ideal seria uma comitiva, liderada pelo vice-presidente, que vá pessoalmente negociar em Washington. Estamos sem interlocutores eficazes.”
O presidente do Sicomércio, Marco Silva, procurou adotar um tom de otimismo cauteloso. “As empresas que sobreviveram à pandemia não podem temer o tarifácio de Trump. Só 2% do nosso PIB será diretamente afetado. Vai prejudicar, sim, mas não é motivo para desespero.”
Ele fez um apelo aos empresários: “Às vezes, nosso maior problema está dentro da própria empresa. O empresário precisa se preparar internamente para depois lidar com o cenário externo. Não adianta se desesperar com o que não pode controlar.”
Marco também criticou a condução política da crise, responsabilizando os dois últimos presidentes do Brasil.
“Houve um afastamento diplomático pelos dois lados. Lula e Bolsonaro erraram. O Brasil perdeu a chance de usar sua posição comercial privilegiada para negociar melhor. Precisamos nos afastar das ideologias e voltar a uma política externa técnica e profissional.”
O comentarista político Humberto Cedraz apontou que o tarifaço reflete o estilo de Donald Trump.
“Trump sempre foi um empresário oportunista. Ele não precisa de motivo nobre para agir. Isso que ele está fazendo com o Brasil, já fez com o Canadá. Pediu até a anexação do Canadá, um homem desses não precisa de desculpa.”
Embora reconheça erros dos dois lados, Cedraz elogiou a postura recente de Lula. “O presidente foi prudente. Disse que a situação é grave, que precisa ser resolvida com diálogo e ele está certo em não se ajoelhar. O Brasil é um país democrático, com instituições funcionando.”
Humberto também criticou o viés ideológico da política externa. “Quando você se junta com Venezuela, apoia a Rússia, enfrenta Israel, há um custo. O Brasil precisa agir com mais pragmatismo e menos ideologia nesse momento.”
Quem tem mais culpa: Lula ou Bolsonaro?
A pergunta inevitável surgiu durante o debate: quem tem mais responsabilidade? Para Amarildo Gomes, a resposta é: ambos.
“Bolsonaro e seu filho Eduardo, muito ligados à extrema-direita americana, inflamaram o cenário. Lula, por sua vez, contribuiu ao se aproximar demais de Rússia, China e ao sugerir o fim do dólar e o Brasil ficou meses sem embaixador nos EUA. Foi um erro diplomático grave.”
Gesner Brehmer concordou: “Ambos têm culpa. Lula derrapou ao confrontar diretamente o dólar em um fórum internacional. Por outro lado, Trump foi alimentado por uma carta de Bolsonaro pedindo sanção ao Brasil, o que é inaceitável.”
O impacto político do tarifaço também foi tema da análise. Segundo os especialistas, apesar de uma leve estabilização da popularidade do presidente Lula, a recuperação ainda é incerta. “O modo como o eleitor reage nem sempre é previsível. Mas, quando a inflação chega no supermercado e o desemprego aperta, quem está no poder paga a conta”, comentou Humberto Cedraz.
O consenso entre os debatedores é claro: a solução passa por diplomacia, responsabilidade fiscal e menos ideologia. “Não podemos brincar de geopolítica com a vida de milhares de trabalhadores e empresários. É hora de agir com cabeça fria e responsabilidade”, concluiu Amarildo Gomes.
Nas palavras de Gesner Brehmer, “está na hora de fortalecer nossas instituições. Precisamos repensar nossas posições e fazer escolhas que construam o país que queremos deixar para as próximas gerações.”
Marco Silva completou: “Temos mais de 200 anos de relações com os EUA. O Brasil pode e deve ser visto como um parceiro comercial forte e confiável.”