Aprovação do PL da Dosimetria gera debate jurídico sobre impactos em penas e progressão de regime
Juristas apontam que o PL interfere diretamente no sistema trifásico de aplicação da pena

A aprovação, na madrugada de quarta-feira (10), do texto-base do projeto de lei que reduz penas de condenados por crimes relacionados a atos golpistas, incluindo os do 8 de janeiro de 2023, abriu uma intensa discussão jurídica e política no país. O “PL da Dosimetria”, aprovado pela Câmara dos Deputados, segue agora para análise do Senado.
Entre os possíveis beneficiados pela mudança legislativa está o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado e atualmente custodiado na sede da Polícia Federal, em Brasília.
Para especialistas ouvidos pelo programa De Olho na Cidade, o projeto altera de forma significativa a lógica de aplicação das penas no Código Penal, principalmente na primeira fase do sistema trifásico, a definição da pena-base, e pode influenciar diretamente processos já julgados, devido à retroatividade da lei penal mais benéfica.
O advogado e professor universitário Danilo Silva avaliou que a proposta interfere na atuação do Judiciário, especialmente na liberdade que o juiz tem para aplicar a pena-base.

Segundo ele, a mudança afeta diretamente o artigo 59 do Código Penal, que permite ao magistrado fixar a pena inicial com base nas circunstâncias judiciais, como culpabilidade, antecedentes, conduta social e consequências do crime.
“O grande problema desse projeto de lei é que ele vai causar um impacto no direito penal no tocante à atuação do próprio magistrado. O juiz não terá mais a liberdade de aplicar os índices de aumento da pena base com base nas circunstâncias negativas”, destacou.
Danilo afirma que a nova regra criaria padrões fixos, reduzindo a discricionariedade da Justiça e podendo gerar diminuições expressivas das penas atualmente impostas:
“Uma pena que hoje o indivíduo poderia pegar de 18 anos, ele pegaria 10 anos.”
Outro ponto de preocupação levantado pelo jurista é a retroatividade da lei penal mais benéfica, que poderá provocar uma onda de revisões de sentenças:
“Quantas pessoas tiveram decisões condenatórias e estão cumprindo suas penas agora? Buscarão o Judiciário para ver os benefícios da retroatividade. Essa lei não pode ser feita para um público específico.”
Para ele, o projeto tem forte componente político:
“É uma lei estranha, muito estranha, principalmente por tocar na liberdade do Poder Judiciário. Quando faltar coragem ao Judiciário, o Estado Democrático está acabado.”
Também especialista em direito criminal, o advogado Hércules Oliveira analisou o PL sob a ótica da estrutura do Código Penal, afirmando que a proposta tenta corrigir erros do próprio Congresso quando criou os tipos penais de “golpe de Estado” e “supressão violenta do Estado Democrático de Direito”.

Ele explica que já existe previsão de concurso material e formal de crimes (artigos 69 e 70 do Código Penal) e que os tipos criados após o 8 de janeiro seriam “muito próximos”, não justificando penas autônomas como eram aplicadas.
“O Congresso andou mal ao criar dois tipos tão próximos. O que o projeto faz agora é aplicar a lógica do concurso formal: usa-se a pena do crime mais grave, que pode ser aumentada de um sexto até a metade.”
Sobre o impacto na progressão de regime, ele pondera que ainda é cedo para conclusões.
“É preciso observar se o Senado fará mudanças e como os tribunais superiores vão interpretar. A retroatividade só se aplica quando há benefício claro ao réu.”
Hércules avalia que dificilmente haverá espaço para questionamentos constitucionais no STF.
“Se o Congresso entende que deve mudar a ordem jurídica respeitando a Constituição, não vejo motivos para questionar. Claro que alguém vai questionar, mas não vejo como o STF declarar inconstitucional.”






