Nova titular da DAI relata cenário preocupante de violência contra crianças e adolescentes
Com passagens marcantes pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM), ela agora lida com uma realidade que descreve como ainda mais complexa e sensível
A delegada Clécia Vasconcelos assumiu recentemente a titularidade da DAI – Delegacia para o Adolescente Infrator – em Feira de Santana, e compartilhou em entrevista ao De Olho na Cidade o desafio e a gravidade da nova missão. Com passagens marcantes pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM), ela agora lida com uma realidade que descreve como ainda mais complexa e sensível: a violência que atinge crianças e adolescentes, muitas vezes dentro do próprio lar.
“Me surpreendi ao assumir a DAI. Esperava encontrar mais ocorrências envolvendo adolescentes como autores de infrações, mas o que vemos é um número alarmante de adolescentes e crianças como vítimas de violência. É um trabalho que exige mais do que preparo jurídico; exige entrega humana”, relatou a delegada.
Segundo Dra. Clécia, casos de abuso sexual, automutilação, tentativas de suicídio e negligência familiar têm chegado à delegacia com frequência preocupante.
“Estamos diante de uma degradação dos valores familiares. Muitos adolescentes estão sendo violentados dentro de casa, por pessoas próximas, como pais, padrastos, tios e vizinhos e o pior: às vezes nem encontram apoio da própria mãe”, afirmou.
Ela destaca que o maior número de denúncias vem das escolas, que identificam mudanças de comportamento nos alunos.
“A escola tem sido nossa maior parceira. São os professores que muitas vezes percebem algo errado e acionam os órgãos competentes”, afirmou.
A delegada relatou casos que marcaram seus primeiros dois meses à frente da unidade. Um deles envolve uma adolescente abusada por anos pelo patrão da mãe, que, ao descobrir o crime, foi demitida e agora enfrenta dificuldades para sustentar a filha, que apresenta tentativas de suicídio.
“Essa mãe não pode sair para trabalhar porque a filha não pode ficar sozinha. Falta política pública para amparar situações como essa. A menina precisa de acompanhamento psicológico frequente, mas nem sempre há estrutura suficiente para atendê-la”, explicou.
Para a delegada, a DAI demanda um olhar ainda mais cuidadoso do que a delegacia voltada exclusivamente às mulheres.
“A mulher adulta, por mais difícil que seja, tem mais ferramentas para se reerguer. O adolescente, não. Falta maturidade, estrutura emocional e apoio”, analisou.
Ela também ressalta que a repressão ao abuso sexual é um trabalho de longo prazo, que exige investigação minuciosa e envolvimento de diferentes instituições.
“O abusador, muitas vezes, está dentro de casa e o pedófilo, como a medicina legal aponta, é alguém que, se tiver oportunidade, voltará a cometer o crime. Não podemos ignorar isso.”
Dra. Clécia reforçou que qualquer pessoa pode denunciar casos de violência contra crianças e adolescentes. Os canais são: Disque 100, Disque 180 e o 190 da Polícia Militar.
“A omissão é tão destrutiva quanto a violência. Se você sabe de algo e não denuncia, está contribuindo para o sofrimento dessas vítimas”, alertou.
A delegacia também planeja ações itinerantes para ampliar o alcance da instituição em bairros e distritos mais distantes.
“Vamos lançar o projeto DAI Itinerante. Nosso objetivo é facilitar o acesso dessas vítimas aos serviços de proteção.”
A delegada deixou claro que a atuação da polícia precisa estar integrada à responsabilidade social de todos.
“A polícia está fazendo sua parte, mas cada cidadão precisa fazer a sua. Não é só uma questão de segurança pública, é uma questão de humanidade.”
Ela convocou a sociedade a romper o silêncio: “Temos que mudar a rota. A sociedade precisa se levantar e proteger seus adolescentes e crianças. Não é possível continuar vivendo em meio a tanto sofrimento calado.”
Para denunciar violência contra crianças e adolescentes:
- Disque 100
- Disque 180
- Polícia Militar: 190