Feira de Santana

Aos 90 anos, professor Josué Melo compartilha lições de uma vida dedicada à educação, fé e transformação social

Com lucidez, serenidade e um espírito incansável, professor Josué Melo mostra que sua longevidade não é acaso,

28/06/2025 07h00
Aos 90 anos, professor Josué Melo compartilha lições de uma vida dedicada à educação, fé e transformação social

“A vida merece um sim.” É com essa afirmação que o professor Josué Melo celebra seus 90 anos de vida, completados no último dia 23. A frase, título do livro que ele acaba de lançar em comemoração à data, reflete a maneira como tem conduzido sua trajetória pessoal, acadêmica, pastoral e social.

Com uma lucidez admirável, Josué relembrou no programa De Olho na Cidade, a infância na zona rural, a juventude marcada por desafios e a longa jornada que o levou a se tornar uma das figuras mais respeitadas da educação e da ação social em Feira de Santana e na Bahia.

Infância no campo e o valor do “brincar livre”

“Eu tive uma infância baseada no brincar livre. Eu sou antes das telas, antes até do rádio. Quando nasci, em 1935, não havia rádio nem televisão”, conta Josué, ao lembrar dos tempos em que morava na roça com o pai agricultor.

Brincava com o que tinha à disposição: formigas, lagartas, galinhas caipiras e os elementos da natureza.

“Eu criava meus próprios brinquedos. Usava o talo da mandioca para fazer as estacas da cerca da fazenda que eu montava com o arame feito de cordão de embrulho. Fazia o curral, as cancelas, o carrinho de boi e até os bois, com pedras.”

Essas experiências, segundo ele, moldaram seu caráter e o prepararam para a vida. “A criança que brinca livre desenvolve mais conexões, tem mais criatividade e mais capacidade de enfrentar dificuldades na vida adulta.”

O segredo da longevidade: corpo, mente e fé

Aos 90 anos, professor Josué segue rotina de musculação e cuidados com a alimentação.

“Não abro mão do meu exercício físico. Os médicos dizem que o mais importante para o envelhecimento de qualidade é o exercício. Também sigo orientação de nutricionista, com alimentação rica em proteínas.”

Além do físico, ele cuida da mente e do espírito. “Leio muito sobre psicologia, nutrição e ciência. A fé também é fundamental. Eu acredito que o primeiro ‘sim’ que recebemos é o de Deus, que nos deu a vida e que nos convida a sermos um ‘sim’ para o outro.”

Essa reflexão está presente em seu novo livro “A Vida Merece um Sim”, dividido em cinco partes com reflexões teológicas, crônicas, poesias e relatos de sua atuação social e pastoral. O livro não será vendido, mas distribuído gratuitamente.

“Já doei para os parentes e na primeira quinzena de julho farei um lançamento aberto ao público, no auditório da UFRB, na Avenida Centenário.”

A chegada a Feira de Santana: entre a fé e o serviço social

Sua chegada a Feira de Santana, nos anos 1960, marcou uma mudança profunda na cidade.

“Quando cheguei aqui, havia cerca de 250 mendigos na Praça J.J. Seabra. Rotary, Maçonaria e igrejas estavam preocupadas. Ao mesmo tempo, no Rio de Janeiro, o governador Carlos Lacerda propôs internar os mendigos até morrer, mas minha formação cristã dizia outra coisa: que mendigo é gente.”

Josué apresentou um projeto ao então prefeito, propondo recuperar os moradores de rua a partir de suas condições reais, sem impor soluções prontas.

“Colocamos as esposas na escola, os filhos na escola e demos profissão aos mendigos. Em sete anos, Feira de Santana não tinha mais um mendigo nas ruas. Eles se tornaram cidadãos, vivendo do seu próprio trabalho.”

A experiência deu origem à AFAS (Associação Feirense de Assistência Social ), entidade ecumênica formada por evangélicos, católicos, espíritas e maçons.

“Foi uma união inédita. Em nenhum outro lugar do Brasil houve esse ecumenismo voltado ao serviço do outro.”

O SIM: um projeto social que virou bairro e tese de doutorado

Ao perceber que o verdadeiro problema social era a migração rural, criou o SIM (Serviço de Integração de Migrantes). Com apoio do poder público e de entidades internacionais, construiu oito prédios onde os migrantes passavam três meses internados recebendo alfabetização, documentos e capacitação profissional.

“23 mil migrantes foram incorporados ao mercado de trabalho urbano. O dinheiro veio todo de fora. Dinheiro não é o problema, o que falta é projeto e vontade.”

Esse projeto social deu origem ao bairro SIM e já foi tema de três teses de doutorado e várias dissertações de mestrado.

Educação: missão de vida e legado

Após um ato de coragem em desafiar o próprio pai, de quem ouviu ”você não vai estudar, o seu futuro é a enxada”, o professor Josué Mello, ainda criança, se apaixonou pelo mundo do conhecimento, nas reuniões da Igreja Presbiteriana de Lagarto – Sergipe, sua cidade natal.

Além da fé e da ação social, Josué se dedicou à educação. Teve uma grande atuação na UEFS, onde atuou como professor titular de Ciência Política, pró-reitor acadêmico e reitor (1991 a 1995). Também foi fundador da FTC e idealizador do campus da instituição, além de criar o bairro ao redor.

Uma de suas iniciativas mais ousadas foi a restauração da antiga escola normal da Rua Conselheiro Franco, onde hoje funciona o CUCA, Centro Universitário de Cultura e Arte.

“Apresentei o projeto ao então governador Antônio Carlos Magalhães. Ele disse que não faria por falta de verba. Aí fui até ele e disse: ‘A Universidade vai fazer. Vamos leiloar obras de arte do nosso museu’. Ele ficou sem palavras, me chamou de reitor arretado e no dia seguinte mandou licitar a obra.”

Fé, teologia e ecumenismo

Como pastor presbiteriano, sempre acreditou na fé como instrumento de transformação social. “A teologia que aprendi era engajada, preocupada com as necessidades humanas.”

Seu trabalho com a comunidade católica em Feira de Santana foi tão profundo que pregou nas novenas de Santo Antônio e levou padres para pregar em sua igreja.

“Só aqui desenvolvemos esse ecumenismo baseado no amor ao próximo. O que nos unia era o compromisso com o ser humano.”

Uma vida pedagógica

Professor Josué acredita que a vida deve ser uma pedagogia. “Cada passo, cada escolha, cada ousadia deve ensinar algo. Se a minha história servir de lição para alguém, então ela cumpriu seu papel pedagógico.”

Aos 90 anos, não pensa em parar. Já está escrevendo um novo livro para lançar no próximo ano. “Se Deus permitir”, diz com serenidade e firmeza.

Com lucidez, serenidade e um espírito incansável, professor Josué Melo mostra que sua longevidade não é acaso, mas consequência de uma vida coerente, comprometida com o bem comum e sustentada por um sim decidido à vida, à fé, ao outro e à transformação.

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