Bebês reborn: arte, afeto ou alerta? Profissionais discutem os limites
A discussão, que começou nas redes sociais, ganha agora contornos mais profundos, revelando que o debate sobre os bebês reborn vai muito além do espanto ou da curiosidade.
Eles têm peso, textura e feições que imitam um recém-nascido. Os bebês reborn, bonecas hiper-realistas que reproduzem bebês humanos, vêm ganhando popularidade entre adultos, principalmente entre mulheres, e despertam tanto fascínio quanto polêmica. O fenômeno vem desafiando fronteiras entre realidade e representação, exigindo um olhar atento às motivações psicológicas envolvidas
Em Feira de Santana, a empresária Renata Magalhães, que há sete anos confecciona esses bebês, compartilhou sua visão sobre a polêmica durante entrevista ao programa De Olho na Cidade, da Rádio Sociedade News, ao lado da psicóloga Fernanda Ribeiro e da psiquiatra Luiza Lessa.
Renata, que comanda uma empresa especializada na criação artesanal de bebês reborn, demonstrou surpresa com a maneira como o tema tem sido tratado.
“O povo está querendo se iludir, porque já não está mais fazendo a diferença do que é meme e o que é real. É muita ficção, e o pessoal está acreditando literalmente nisso. Estão julgando sem procurar entender o que é a arte reborn e seus benefícios”, destacou.
A empresária defende a prática, especialmente quando voltada ao público infantil. “É uma arte feita à mão, é linda. Quando você acompanha o processo e vê a entrega para a criança, é lúdico, mágico. Eu mando fazer documentação personalizada — certidão de nascimento, RG, ultrassom, cartão de vacina. Isso estimula a imaginação da criança”, explicou Renata, que também organiza encontros temáticos onde as crianças levam suas bonecas e interagem entre si.
Contudo, ela reconhece que, como em qualquer nicho, existem casos que merecem atenção especial.
“Todo nicho tem pessoas com algum tipo de distúrbio. Isso não é exclusivo da arte reborn. Quando a pessoa perde o discernimento entre fantasia e realidade, aí sim, precisa de acompanhamento”, ponderou.
A psicóloga de família Fernanda Ribeiro também participou do debate e reforçou que é preciso distinguir o saudável do patológico.
“A sociedade está adoecida. A intensidade e a frequência com que a pessoa vive essa fantasia é o que vai determinar se há um transtorno. Uma mulher adulta brincar de boneca choca, mas um homem adulto jogando videogame, não. Há um julgamento social envolvido também”, afirmou.
Ela destaca que, em alguns casos, o uso excessivo do bebê reborn pode revelar um desligamento da realidade.
“Se uma mulher exige lugar preferencial no ônibus com a boneca no colo ou simula um parto numa maternidade, a linha entre fantasia e delírio já foi cruzada”, alertou.
Fernanda também ressalta que o tema está ligado à forma como a sociedade consome conteúdo e busca visibilidade.
“Hoje todo mundo quer causar, quer viralizar. Muitas dessas atitudes são teatrais, encenadas para as redes sociais, mas há casos em que realmente a pessoa acredita e vive aquilo como verdade.”
A psiquiatra Luiza Lessa abordou o tema do ponto de vista clínico. “Essa afetividade excessiva por um objeto inanimado pode estar ligada a um sofrimento emocional profundo — como luto não elaborado, infertilidade, carência afetiva ou transtornos depressivos severos”, explicou.
Segundo Luiza, é preciso estar atento aos sinais de que a fantasia está prejudicando o funcionamento da vida real.
“Se a brincadeira ultrapassa o limite do lúdico e começa a interferir nas relações sociais, no trabalho, nos direitos dos outros, é hora de buscar ajuda. O primeiro passo é reconhecer que algo não vai bem. A psicoterapia é fundamental nesse processo, e em alguns casos, o acompanhamento psiquiátrico também.”
Mercado em alta
Apesar da polêmica, Renata afirma que a procura pelas bonecas reborn continua firme, especialmente nas datas comemorativas.
“A demanda maior é no Dia das Crianças e no Natal. Às vezes, não consigo atender a todos os pedidos. As bonecas custam a partir de R$ 1.500, mas muitas mães querem enxoval completo, com documentação personalizada e tudo”, revelou.
Ao final da entrevista, Fernanda Ribeiro fez uma reflexão importante: “O bebê reborn, quando usado de forma saudável, é uma arte que promove afeto, imaginação e cuidado. Mas como tudo na vida, quando há excesso, quando causa sofrimento ou rompe com a realidade, merece atenção. A questão não é a boneca. É o que a pessoa está projetando nela.”
A discussão, que começou nas redes sociais, ganha agora contornos mais profundos, revelando que o debate sobre os bebês reborn vai muito além do espanto ou da curiosidade. É, acima de tudo, uma oportunidade de refletir sobre saúde mental, limites e o papel da fantasia em uma sociedade marcada pela busca incessante por conexão e sentido.